chega dessa pele...

(leia ouvindo essa!)


    O fim de ano para um capricorniano é um evento cármico. Não só no sentido sobrenatural da palavra, mas principalmente no que diz respeito ao senso comum, carregado de causalidade. O peso da retrospectiva e das metas então é dobrado, já que tudo se acumula num período só e não há respiro algum entre a virada do ano e o dia de aniversário.

    Existe um incômodo conforto na periodicidade das coisas, uma temporalidade individual num ciclo predeterminado. Na maior parte do tempo não pensamos nisso e, se pensamos, não colocamos em prática o que nos preveniria da sensação de arrependimento. É fácil focar no fim das coisas ruins, que nos tomam tempo, energia e uma dedicação que desejamos destinar a outros fins, mas com que frequência pensamos nos dias que estamos vivendo, com uma saudosa nostalgia precoce? 

    Não sei quanto a vocês, mas para mim é natural pensar que, mais cedo ou mais tarde, a realidade como conheço irá acabar. A correria do cotidiano por vezes me mantém presa no momento presente, mas como a maioria em peso de pessoas da minha geração, a ansiedade põe à prova essa minha habilidade diariamente. Aí, quando a cabeça bate no travesseiro antes de dormir e encontro minhas orações, sinto-me compelida a também pedir mais algum tempo nessa vida, morando nesse mesmo lugar, convivendo com essas mesmas pessoas, resolvendo os mesmos problemas rotineiros. 

    Então, à grosso modo, é difícil perceber e permitir mudanças significativas. O medo de uma realidade diferente frequentemente me paralisa, e fica pior quando chega o fim de ano e, consequentemente, minhas férias e meu aniversário. Algumas vezes, tira até parte da graça dessas comemorações. Fico em casa e aproveito minha família, ou me divirto com meus amigos? O que deveria ser um período de alegrias, celebrações e partilha quase sempre se torna mais uma das minhas intermináveis preocupações (deve ser muito bom não ser uma overthinker). Mas tá tudo bem se encasular em si mesmo de vez em quando, também.

    Acho, porém, que minha mentalidade vem mudando aos poucos. Talvez seja o que uns chamam de amadurecimento, e outros, de resignação. Há pouco tempo, pedi em minha fé que me ajudem a aceitar melhor o ciclo das coisas, das pessoas, das relações. Conscientemente falando, sei que não estaremos para sempre próximos dos mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, mas isso me incomoda, principalmente quando minha mente me prega peças e tenta me convencer de que certos afastamentos aconteceram por culpa minha. Sou uma apegada incurável. 

    Um novo ano vem aí, trazendo consigo o final dos meus vinte - mais um marco para se pensar. Nossa sociedade nos faz, incessantemente, nos compararmos uns com os outros. É injusto, cruel e ruim. A vida toma um rumo diferente, porém, quando a lente muda. De que importa se fulana está morando sozinha, beltrana já tem dois filhos e cicrana viaja anualmente para o exterior? Nenhuma delas deixará de ter nada disso simplesmente porque outros gostariam de ter o mesmo. A grama do vizinho pode até parecer mais verde, mas sabe-se lá o que ele tem feito para mantê-la assim?

    Há algum tempo decidi me conhecer de verdade, e não apenas o que dizem que sou. Isso abriu meus olhos para tanta, tanta coisa! É incrível o que a prisão da opinião alheia pode fazer com alguém. A inibição de desejos genuínos é um tipo específico de crueldade, convencendo-nos de que nossas vontades não são dignas de atenção e concretização. A adulta que sou sente pena da adolescente que fui, vivendo integral e completamente em função do olhar de todos, menos o dela própria. É minha obrigação reparar isso, já que ela não pôde fazê-lo. É meu dever também acalentar a criança que fui, tão preocupada em manter todos longe da loucura, da solidão e da tristeza, menos ela própria. Tenho como objetivo pessoal recuperar a autenticidade que tive nos meus primeiros sete anos de vida porque já não sou vítima, e é uma sensação incomparável quando consigo uma centelha disso porque, lá por baixo de tudo o que a vida lapidou contra a minha vontade, minha essência ainda está lá. 

    Já diz Esmeralda, pedra preciosa que me protege e acompanha: é preciso saber o que te faz feliz, porque só assim, você vai saber quem é. Que seja esse meu lema, meu caminho e minha lei no próximo ciclo, e, quem sabe, possa ser o seu também. 

    Feliz ano novo! 
    Vamos em busca do arco-íris, e do que quer que esteja nos potes depois dele.

Comentários

  1. Ah, que lindo texto de encerramento de ciclos. Palavras bem colocadas, texto fluido que nem dá vontade de parar de ler. Me sinto um pouco assim também, já que sou capricorniana e também em busca de mim! Beijo menina escritora! 😘

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