garotas só querem se divertir


    Esse texto vai ser baseado num bocado de achismos, mas você pode lê-lo ouvindo essa música aqui.

  Não se fala muito sobre como ser a primeira filha, neta e sobrinha vai muito além dos mimos intermináveis da infância. Mas acho que muito desse desabafo vai também pras segundas, terceiras e últimas filhas, netas e sobrinhas. 

    Não se fala muito sobre a sentença de culpa que o sistema de criação de mulheres e meninas, ainda hoje, nos causa. Aquela sensação fantasma de que fazer algo por si mesma ou de impor limites em relacionamentos é seu atestado de incompetência e egoísmo, porque, afinal de contas, mulher foi feita pra aguentar. 

    Aguentar o quê? Até quando? Aguentar por quê? 

    Acho que nós, primeiras filhas, carregamos uma espécie de cargo não dito, que aceitamos ao longo da vida, dado por aqueles que nos amam e nos criam. Isso também serve para as primeiras filhas de um casal que só teve meninos antes, porque não importa a idade, elas também vão ser responsabilizadas, de um jeito ou outro. E conforme crescemos, para agradarmos e darmos orgulho aos adultos, sacrificamos nossas infâncias e diminuímos drasticamente o tempo de nossas vidas que deveria ser consumado e consumido pela ausência de compromissos e responsabilidades. 

    É de uma ingenuidade altamente protetora continuar nesse papel de menina de ouro. É absurdamente desgastante e muitas vezes degradante, sim, mas seu valor não é questionado em momento algum e, pelo hábito em se fazer disposta a absolutamente tudo em prol do outro, você se vê minimamente recompensada com comentários sobre isso. É só aqui que nos diferenciamos das almas mais livres e rebeldes de filhas do meio e filhas caçulas de outras irmãs.

    Parte de mim ainda gostaria de estar lá, antes de abrir os olhos. É essa mesma parte que ainda vê em dias como hoje a necessidade de ouvir músicas que me lembrem o pseudo fracasso em conseguir o que mais desejei até hoje, numa tola vontade de me ater ao resquício do sofrimento que isso ainda me traz. É essa mesma parte de mim que ainda insiste em lutar com a atual, me fazendo sentir culpa e insuficiência por algo que jamais dependeu de mim. Mas, como toda filha, neta e sobrinha mais velha, sinto-me responsável por toda e qualquer desgraça que recaia sobre minha vida - quiçá sobre as dos outros também.

    Acordar foi tão libertador quanto foi assustador. Levei um quarto de século para começar a ver a vida com meus próprios olhos, a definir meus próprios parâmetros e a traçar os primeiros limites. Olhar para trás ainda me traz certa angústia, porque percebo o quanto o sistema agiu em mim como age em tantas outras de nós, mulheres, mas principalmente de nós, as primogênitas. Mais do que isso, é frustrante perceber que me desatar desses nós invisíveis gasta basicamente toda a minha energia diariamente. 

    É deslumbrante perceber que você não é tão limitada quanto a sociedade te fez acreditar que era, e acaba sendo viciante esfregar isso na cara dela a cada simples oportunidade que temos. É visceral sentir a própria potência. É incrível descobrir que tal coisa não é tão ruim quanto você aprendeu que fosse, ou que tal lugar só era tão ruim porque aqueles que vieram antes de você não se adaptaram a ele - e que isso não é uma sentença de que você também não irá.  É bom saber que as semelhanças sempre estarão lá, mas que estejam porque são genuínas, e não manipuladas. 

    Mas é um puta saco ter que, dia após dia, pedir desculpas para si mesma por desapontar pessoas que você ama com os limites que precisa impor para que possa andar com as próprias pernas. É chato demais ter que ensinar as pessoas que estiveram com você a vida toda a te amar como você é, e não como elas queriam que você fosse. É estressante ter que encontrar cada vez mais desses nós invisíveis que nos podam, limitam e nos mantém reféns de situações que já não nos cabem. Ou melhor, às quais não mais cabemos. 

    E ainda assim, eu não trocaria minha liberdade de ser pela ingenuidade de me esconder na sombra de outras pessoas de novo. 

    Eu só queria ter mais tempo pra me divertir, como todas as mulheres que conheço também.
    E diversão, para cada uma de nós, se dá de um jeito. 

    Acho que a única coisa em comum, é que gostaríamos de um maldito segundo para nos divertirmos sem um pinguinho de responsabilidade sequer. Sem medo, sem o terror de algo ruim acontecer, sem pânico. Sem receio de algo acontecer longe do nosso controle, fora do nosso alcance, sem que precisemos sentir o arrependimento por fazer algo por nós mesmas quando poderíamos ter feito algo para impedir o trágico que marcará tudo para sempre. 

     Não quero mais ter que aguentar. 
    Não quero mais caber em caixa alguma, porque sou livre e minhas asas estão abertas.

    Quero ser mulher e me divertir.

  Sejam responsáveis por vocês, para que nós possamos voar ao menos um pouco também.

Feliz dia da mulher adiantado 💖

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